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Aos meus amigos

Sabendo que a nossa vida é por um tempo, é passageira; quero aqui declarar que umas das melhores e grandes coisas que pude receber e manter sempre viva, sempre acesa é e sempre será a amizade dos meus amigos. Este blogs tem como objetivo levar a todos amigos e amigas que a ele visitarem, sempre, uma palavra, uma ideia e um motivo de encontrarem respostas para suas inspirações, meditações e crescimento na fé.

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sexta-feira, 30 de abril de 2021

O CÃO. (Poesia)

 O CÃO

O cão
Que faz ão, ão
É bom amigo como os que o são!

É bom amigo, bom companheiro,
É valente, fiel, verdadeiro,
Leal, serviçal,
E tem bom coração

Que o diga o seu dono, se ele o tem ou não!

Quem vem de fora, a gente
E chega a casa, é o cão
Quem diz primeiro, todo prazenteiro,
Saltando e rindo
Contente,
E com olhos a brilhar de amor:
– “Ora seja bem vindo
O meu senhor”

O cão
Que faz ão, ão
É bom amigo como os que o são!

 

Afonso Lopes Vieira, Canto infantil

quinta-feira, 29 de abril de 2021

TESTAMENTO. (Poesia)

 AFFONSO ROMANO DE SANT´ANNA – TEXTAMENTO

Minha mãe teve dúvidas
se eu deveria nascer ou não.
Pensou em me abortar.
Nasci. E, de alguma maneira, dei certo.
Cedo aprendi com os animais domésticos
e com os legumes da horta

que a morte é estranhamente cotidiana.
Amei, sim, amei
na medida de meu descompassado desejo.
E já ia envelhecendo
quando aprendi 

a me comunicar com os cães.

Não posso me queixar.
Vencidas as dificuldades iniciais,
os limites do quintal, a inveja
e os jogos na boca da noite,
descobri modos de me expressar.
Algumas palavras íntimas
tornaram-se públicas
e nisto encontrei satisfação.


Affonso Romano de Sant´anna.

quarta-feira, 28 de abril de 2021

LIVRO FECHADO.

 LIVRO FECHADO

abre-me!
quero ser aberto
livrinho ignoto que sou

tu me lês
e fazes de conta que me entendes
mas fracassas
então sigo fechado
escondido detrás da cortina
donde consigo
te observar
mas não tu a mim

se dependesse de mim
eu seria teu
mas não depende de mim
és tu
quem me tens
em tuas mãos

 

Aðalsteinn Ásberg Sigurðsson, Poesia Islandesa

terça-feira, 27 de abril de 2021

BASTARIA (Poema)

 ADRIANA LISBOA – BASTARIA

Bastaria
um tempo sem vencimento
aberto como asas
sem sorrisos úteis ou
papéis a endossar. Um vão
entre duas felicitações
contemporizações – por exemplo
(pensar em) margear
Buenos Aires: poetas
Bornéu: primatas
adentrar a ideia dessas coisas.
Bastaria um templo
o céu cobalto que me ignora
raízes varando paredes
menos do que residuais.
Bastaria subtrair eventos
motivos: como desde sempre soubemos,
bastaríamos nós.

Adriana Lisboa, Amar, Verbo Atemporal

segunda-feira, 26 de abril de 2021

HORA DO ÂNGELUZ - Adélia Prado.

 ADÉLIA PRADO – HORA DE ÂNGELUS

A poesia é pura compaixão.
Até grávida posso ficar,
se lhe aprouver um filho apelidado Francisco.
Tem mesmo alguma coisa no mundo
que obriga o mundo a esperar.
O carroceiro pragueja: ô deus,
a minha lida é mais dura
que a lida de um retireiro.
Sem paciência, a beleza turva-se,
esta que sobre as tardes se inclina
e faz defensáveis
areias, ervas, insetos,
este homem que jamais disse a palavra crepúsculo.

domingo, 25 de abril de 2021

DIVERSO AMOR,

 DIVERSO AMOR

o quero o teu amor! O teu amor parece
Que feito deve ser de magnólias e luares!
Amor espiritual, casto como uma prece,
De uma pureza ideal de alvas toalhas de altares!
Que feito deve ser de magnólias e luares!
Amor espiritual, casto como uma prece,
De uma pureza ideal de alvas toalhas de altares!
E o meu amor, mulher, é um amor que estremece
De desejos fatais, vagos, crepusculares…
Amor, ânsia de posse! Amor que vibra e cresce,
Ardente como o fogo e fundo como os mares!
Tu virás para mim, deslumbrada e inocente,
Com teu beijo primeiro a fremir castamente!
Nos teus lábios de flor, virgens de todo mal…
E há de fugir, ó luz, de ambas as nossas bocas
Palpitantes, febris, desvairadas e loucas,
Um arrulho de pomba e um uivo de chacal…


Alceu Wamosy, Amar, Verbo Atemporal

sábado, 24 de abril de 2021

À RECONQUISTA.

 AGOSTINHO NETO – À RECONQUISTA

Não te voltes demasiado para ti mesma
Não te feches no castelo das lucubrações infinitas
Das recordações e sonhos que podias ter vivido

Vem comigo África de calças de fantasia
desçamos à rua
e dancemos a dança fatigante dos homens
o batuque simples das lavadeiras
ouçamos o tam-tam angustioso
enquanto os corvos vigiam os vivos
esperando que se tornem cadáveres

vem comigo África dos palcos acidentais
descobrir o mundo real
onde os milhões se irmanam na mesma miséria
atrás das fachadas de democracia de cristianismo de igualdade

Vem comigo África de colchões de molas
e reentremos na casinha de latas esquecidas no musseque da Boavista
até onde já nos empurram
ao nos quebrarem as casas de meia água de Cayette
e à volta de fogo consolador das nossas aspirações mais justas
examinaremos a injustiça inoculada no sistema vivo em que giramos.

Vem comigo África de colchões de esmola
regressemos à nossa África
onde temos um pedaço da nossa carne calcado sob as botas dos magala
– a nossa África

Vem comigo África do jitterburg
até a terra até o homem até o fundo de nós
ver quando de ti e de mim faltou
quanto da África esqueceu
e morreu na nossa pele mal coberta sob o fato emprestado
pelo mais miserável dos ex-fidalgos

Não chores África dos que partiram
olhemos claros para os ombros encurvados 

do povo que desce a calçada
negro negro de miséria negro de frustração negro de ânsia

e dêmos-lhes o coração
entreguemo-nos

através da fome da prostituição das cubatas esfuracadas
das chanfalhadas dos cipaios
através dos muros das prisões através da Grande Injustiça

Ninguém nos fará calar
Ninguém nos poderá impedir
O sorriso dos nossos lábios não é agradecimento pela morte
com quem nos matam.

Vamos com toda a Humanidade
Conquistar o nosso mundo e a nossa Paz.

Agostinho Neto, Sagrada esperança

sexta-feira, 23 de abril de 2021

feche os os olhos e leia.

 ALBERTO PUCHEU – FECHE OS OLHOS E LEIA

Não há nenhum Virgílio a me guiar
no inferno nem nenhuma Beatriz,
movida por amor, a me salvar
no Paraíso: em meu caminho, estou
sozinho. No lugar que não tem sombras
sem sol nem sol sem sombras, no lugar,
em baixo, sinto o asfalto, em cima, o céu,
no meio estou e nem sei mais se estou.
De tão pequeno, sou ainda menos
que nada. Nada sou. Ou um qualquer
sem nome, musa, deus, inferno ou guia.
Ou um qualquer, no meio do caminho
de sua vida sem começo ou fim,
sem se encontrar achado nem perdido.

 

Alberto Pucheu, Mais cotidiano que o cotidiano

quinta-feira, 22 de abril de 2021

AO LONGE ,A VIDA.

 ALBERTO DE LACERDA – AO LONGE, A VIDA

Agora eu sou a margem indiferente deste rio,
deste rio da Vida, que passa sem me ver…
Agora eu sou um desejo do esperado Fim,
um sonho que ficou por despertar,
uma lágrima apenas que jamais tardou
às chamadas da minha alma doente.
Eu sou o tédio,
o que ambicionou tudo o que não veio…
Eu sou o tédio, “eu sou a morte… eu sou o frio”.


Alberto de Lacerda, Itinerário 

quarta-feira, 21 de abril de 2021

PLATAFORMA

 

PLATAFORMA

Algum amigo, talvez o único,
aconselhará o combate:
mude de amigo se não pode
mais, nunca mais, mudar de vida.

Da amada nem se fala, tudo
que ela deseja é para si:
mude de amada se não pode
mais, nunca mais, mudar de vida.

A poesia não é mais feita
de água, de colírio indulgente:
mude de verso se não pode
mais, nunca mais, mudar de vida.

Diante do nascente alugam-se
espaços claros e andorinhas:
mude de casa se não pode
mais, nunca mais, mudar de vida.

Uma terça parte dos anjos
já veste túnicas vermelhas:
mude de roupa se não pode
mais, nunca mais, mudar de vida.

Alberto da Cunha Melo, Poesia completa

terça-feira, 20 de abril de 2021

À CONQUISTA.

À RECONQUISTA

Não te voltes demasiado para ti mesma
Não te feches no castelo das lucubrações infinitas
Das recordações e sonhos que podias ter vivido

Vem comigo África de calças de fantasia
desçamos à rua
e dancemos a dança fatigante dos homens
o batuque simples das lavadeiras
ouçamos o tam-tam angustioso
enquanto os corvos vigiam os vivos
esperando que se tornem cadáveres

vem comigo África dos palcos acidentais
descobrir o mundo real
onde os milhões se irmanam na mesma miséria
atrás das fachadas de democracia de cristianismo de igualdade

Vem comigo África de colchões de molas
e reentremos na casinha de latas esquecidas no musseque da Boavista
até onde já nos empurram
ao nos quebrarem as casas de meia água de Cayette
e à volta de fogo consolador das nossas aspirações mais justas
examinaremos a injustiça inoculada no sistema vivo em que giramos.

Vem comigo África de colchões de esmola
regressemos à nossa África
onde temos um pedaço da nossa carne calcado sob as botas dos magala
– a nossa África

Vem comigo África do jitterburg
até a terra até o homem até o fundo de nós
ver quando de ti e de mim faltou
quanto da África esqueceu
e morreu na nossa pele mal coberta sob o fato emprestado
pelo mais miserável dos ex-fidalgos

Não chores África dos que partiram
olhemos claros para os ombros 

encurvados do povo que desce a calçada
negro negro de miséria negro de frustração negro de ânsia

e dêmos-lhes o coração
entreguemo-nos

através da fome da prostituição 

das cubatas esfuracadas
das chanfalhadas dos cipaios
através dos muros das prisões 

través da Grande Injustiça

Ninguém nos fará calar
Ninguém nos poderá impedir
O sorriso dos nossos lábios 

não é agradecimento pela morte
com quem nos matam.

Vamos com toda a Humanidade
Conquistar o nosso mundo e a nossa Paz.

Agostinho Neto, Sagrada esperança

domingo, 18 de abril de 2021

QUE TRISTE SINA!

 Meus pensamentos se confundem em minha mente,

Sou uma semente que não pode germinar

A minha vida ganhou rumos invertidos

De extrovertido fui obrigado a calar


Dos dias lindos que eu vivi no meu passado

Se recordados eu me ponho a chorar.

Tive mulheres por algumas fui amado.

E abandonado estou no mundo a vagar.


Que triste sina, que pecado estou pagando

Estou me queimando neste inferno agonizante.

A minha noite é só insônia e agonia 

E os meus dias são saudade a todo instante


Deixo o meu passo me levar a qualquer lugar.

Estou a vagar como um Zumbí que já morreu.

Não tenho lar e nem ninguém me esperando

Triste vagando já nem sei mais quem sou eu.


Aos meus amigos quero deixar um recado

De um desprezado que neste mundo viveu.

Quando escutarem esta minha poesia

Saibam que um dia este poeta a escreveu.

...........................................................

Cmpositor: Erleu F. da Cruz.

sábado, 17 de abril de 2021

QUEM EU SOU?

QUEM EU SOU? 

Agora eu sou a margem indiferente deste rio,

deste rio da Vida, que passa sem me ver…
Agora eu sou um desejo do esperado Fim,
um sonho que ficou por despertar,
uma lágrima apenas que jamais tardou
às chamadas da minha alma doente.
Eu sou o tédio,
o que ambicionou tudo o que não veio…
Eu sou o tédio, “eu sou a morte… eu sou o frio”.

 

Alberto de Lacerda, Itinerário 

sexta-feira, 16 de abril de 2021

QUANDO EU NÃO TE TINHA.

QUANDO EU NÃO TE TINHA…

Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo…
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima…
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor —
Tu não me tiraste a Natureza…
Tu mudaste a Natureza…
Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim,
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as coisas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou.

Alberto Caeiro, O pastor amoroso

quinta-feira, 15 de abril de 2021

CAIS (Poesia)


CAIS

Vem de vez em quando pra lembrar
que é contigo que vou navegar, navegar
Vem e de quando em quando seja meu mar
que esse é revolto e eu vou aportar, aportar

É difícil saber que a gente ancorou e eu não sei mais
hoje o que é barco e o que é cais
É difícil saber que o mundo ancorou e eu não sei mais
hoje o que é mundo e o que é cais

Vem, com o que tanto sonhas, Maria, com o quê?
Se é comigo que os teus sonhos são pétalas que doem
Vem, que a ilha é logo ali
pra te ver acordar sem manhã e adormecer com a lua bem longe do céu

É difícil saber que a gente ancorou e eu não sei mais
hoje o que é barco e o que é cais
É difícil saber que o mundo ancorou e eu não sei mais
hoje o que é mundo e o que é cais

quarta-feira, 14 de abril de 2021

FALTA POUCO.

 Falta pouco para acabar

o uso desta mesa pela manhã
o hábito de chegar à janela da esquerda
aberta sobre enxugadores de roupa.
Falta pouco para acabar
a própria obrigação de roupa
a obrigação de fazer barba
a consulta a dicionários
a conversa com amigos pelo telefone.

Falta pouco
para acabar o recebimento de cartas
as sempre adiadas respostas
o pagamento de impostos ao país, à cidade
as novidades sangrentas do mundo
a música dos intervalos.

Falta pouco para o mundo acabar
sem explosão
sem outro ruído
além do que escapa da garganta com falta de ar.

Agora que ele estava principiando
a confessar
na bruma seu semblante e melodia.

terça-feira, 13 de abril de 2021

 AO LONGE, A VIDA

Agora eu sou a margem indiferente deste rio,
deste rio da Vida, que passa sem me ver…
Agora eu sou um desejo do esperado Fim,
um sonho que ficou por despertar,
uma lágrima apenas que jamais tardou
às chamadas da minha alma doente.
Eu sou o tédio,
o que ambicionou tudo o que não veio…
Eu sou o tédio, “eu sou a morte… eu sou o frio”.

 

Alberto de Lacerda, Itinerário 

domingo, 11 de abril de 2021

DOCE JUVENTUDE.

DOCE JUVENTUDE


Solidão é um cais baldio
repleto de vãos navios sem tripulação
Diário de bordo: “Perdemos sonhos pelo caminho…”
Mas, não faltou coração

Solidão é uma armadilha
do peito ferido, dos apartamentos
Querido Diário: “Eu bem que tentei sorrir…”
Mesmo que sorrisos pequenos

Quando me olhou pela terceira vez
vi que eu era feito de nuvens
Cai em tentação e tentei mais uma vez
Só que dessa vez, faltou coração
Você sobrou, eu calei
Que se dane os heróis, eu sou fora-da-lei

Solidão é preguiça dos braços
injustiça dos sapos com a lua
Jesus, por favor, faz do luar o meu lar
me faz ébrio palhaço das tolices de amar

Solidão é um mantra diário
de quem um dia foi escudo de lã
É que Vinícius me diz tanta coisa
que qualquer outra me parece vã

Quando me olhou por cima do Ray-Ban
em plena Orla de Atalaia
Que doce juventude Deus te deu, menina
Só que dessa vez, era um samba-canção
naquela tarde RocknRoll que passei
Mas, que se dane os heróis, eu sou fora-da-lei


Ithalo Furtado

sábado, 10 de abril de 2021

O CÃO.

 AFONSO LOPES VIEIRA – O CÃO

O cão
Que faz ão, ão
É bom amigo como os que o são!

É bom amigo, bom companheiro,
É valente, fiel, verdadeiro,
Leal, serviçal,
E tem bom coração

Que o diga o seu dono, se ele o tem ou não!

Quem vem de fora, a gente
E chega a casa, é o cão
Quem diz primeiro, todo prazenteiro,
Saltando e rindo
Contente,
E com olhos a brilhar de amor:
– “Ora seja bem vindo
O meu senhor”

O cão
Que faz ão, ão
É bom amigo como os que o são!

 

Afonso Lopes Vieira, Canto infantil

sexta-feira, 9 de abril de 2021

NO BAILE

 AFONSO CELSO – NO BAILE

Ontem ao contemplá-la decotada,
Ao primor do seu colo descoberto,
Senti-me tonto, da vertigem perto,
Fremente o pulso, a vista deslumbrada.

E, como em láctea fonte perfumada,
Sorvi-lhe sonhos mil no seio aberto,
Com a sede de um filho do deserto
Que encontre enfim a linfa suspirada.

Giram em derredor das níveas flores,
Sofregamente, insetos zumbidores…
– Meus desejos então foram assim…

Mas arredei os olhos, de repente,
Pois meu olhar podia, de tão quente,
Crestar-lhe a fina cútis de cetim!

Afonso Celso, Amar, Verbo Atemporal

quinta-feira, 8 de abril de 2021

PALAVRAS E PAISAGEM.

 AFFONSO ROMANO DE SANT´ANNA

– PALAVRAS E PAISAGENS

Há certas palavras pelas quais passo frequentemente
sem lhes conhecer o sentido verdadeiro.

Nunca fui ao dicionário
conhecer as formas polifacéticas de seu ser.

São como pessoas que por mim passam
ou que frequentam nossa paisagem.
Não nos aprofundamos em conhecê-las.
Basta o colorido de suas vestes
e a sonoridade de seus nomes.

Não se pode esgotar o dicionário
ou amar completamente

– tudo o que encontramos.

 

Affonso Romano de Sant´anna – Textamentos

quarta-feira, 7 de abril de 2021

VÂNDALOS.

 VÂNDALOS

 

A culpa é do governo

Essa é a frase de um povo

Que nada cria de novo

Mas adora reclamar

Faz tudo pela metade

Crucifica a lealdade

E critica sem pensar

Desvaloriza o progresso

Inveja o sucesso alheio

Incentiva o retrocesso

Valoriza o veraneio

Fala muito e pouco faz

Não cobra os direitos que tem

Comportamento sagaz

Onde a preguiça é um bem

São mais de quinhentos verões

Dessa terra abençoada

Que ainda parece deitada

Como o próprio hino diz

Brasileiro é boa gente

Está sempre sorridente

Passa fome e é feliz

Mas não é por falta de avisos

Ou sinais da providência

Somos milhões de indecisos

Vivendo só de aparência

Quando isso vai mudar?

É difícil de responder

Porque um povo sem garra

Que prefere curtir na farra

Não irá sobreviver...

terça-feira, 6 de abril de 2021

DECLARAÇÃO DE AMOR.

 ADRILLES JORGE – DECLARAÇÃO DE AMOR

Prazer em receber teus beijos estéreis, tuas mentiras escamadas
teus lugares-comuns que revelam verdades viáveis
que duram pela brevidade eterna da tua presença
teus esboços de certezas concretas
que delineiam teu, o nosso caráter sutil e desencorpado

Prazer em abrir corpo e ouvidos para as tuas ordens
infantis de adulta mimada, general que impõe as estratégias de
uma criança
que conquistou sua autoridade pelos caprichos do corpo,
pela curva dos quadris
pela angulação torta do pensamento
por descaminhos reveladores de tua superfície mais oculta
abonadora de tuas virtudes disfarçadas de vícios cativantes

Na melodia das dissonâncias da tua voz, o prazer imediato da
curva que
não te define, da linha oblíqua que oferece o caminho torto que
não te alcança
e que deslumbra os transeuntes que topam com tua natureza
morta,
sempre ressuscitada pela autópsia de corpos retos, elementares,
mortos pelas tuas tangências.

Adrilles Jorge, Antijogo

segunda-feira, 5 de abril de 2021

OS CINCO SENTIDOS.

 ALMEIDA GARRETT – OS CINCO SENTIDOS

São belas — bem o sei, essas estrelas,
Mil cores — divinais têm essas flores;
Mas eu não tenho, amor, olhos para elas:
Em toda a natureza
Não vejo outra beleza
Senão a ti — a ti!

Divina — ai! sim, será a voz que afina
Saudosa — na ramagem densa, umbrosa.
Será; mas eu do rouxinol que trina
Não oiço a melodia,
Nem sinto outra harmonia
Senão a ti — a ti!

Respira — n’aura que entre as flores gira,
Celeste — incenso de perfume agreste.
Sei… não sinto: minha alma não aspira,
Não percebe, não toma
Senão o doce aroma
Que vem de ti — de ti!

Formosos — são os pomos saborosos,
É um mimo — de néctar o racimo:
E eu tenho fome e sede… sequiosos,
Famintos meus desejos
Estão… mas é de beijos,
É só de ti — de ti!

Macia — deve a relva luzidia
Do leito — ser por certo em que me deito.
Mas quem, ao pé de ti, quem poderia
Sentir outras carícias,
Tocar noutras delícias
Senão em ti — em ti!

A ti! ai, a ti só os meus sentidos
Todos num confundidos,
Sentem, ouvem, respiram;
Em ti, por ti deliram.
Em ti a minha sorte,
A minha vida em ti;
E quando venha a morte,
Será morrer por ti.

Almeida Garrett, Folhas caídas

domingo, 4 de abril de 2021

BASTARIA - Adriana Lisboa.

 ADRIANA LISBOA – BASTARIA

Bastaria
um tempo sem vencimento
aberto como asas
sem sorrisos úteis ou
papéis a endossar. Um vão
entre duas felicitações
contemporizações – por exemplo
(pensar em) margear
Buenos Aires: poetas
Bornéu: primatas
adentrar a ideia dessas coisas.
Bastaria um templo
o céu cobalto que me ignora
raízes varando paredes
menos do que residuais.
Bastaria subtrair eventos
motivos: como desde sempre soubemos,
bastaríamos nós.

Adriana Lisboa, Amar, Verbo Atemporal

sábado, 3 de abril de 2021

ADONIS - CANÇOES PARA A MORTE.

 ADONIS – CANÇÕES PARA A MORTE

1.

A morte quando passa por mim é como se
o silêncio a abafasse
é como se dormisse quando eu dormisse.

2.

Ó mãos da morte, alonguem meu caminho
meu coração é presa do desconhecido,

alonguem meu caminho
quem sabe descubro a essência do impossível
e vejo o mundo ao meu redor.

Adonis, Poemas

sexta-feira, 2 de abril de 2021

AO LONGE, A VIDA.

 ALBERTO DE LACERDA – AO LONGE, A VIDA

Agora eu sou a margem indiferente deste rio,
deste rio da Vida, que passa sem me ver…
Agora eu sou um desejo do esperado Fim,
um sonho que ficou por despertar,
uma lágrima apenas que jamais tardou
às chamadas da minha alma doente.
Eu sou o tédio,
o que ambicionou tudo o que não veio…
Eu sou o tédio, “eu sou a morte… eu sou o frio”.